
Algumas considerações sobre os processos eleitorais
A primeira é que partimos da conceção de que os resultados eleitorais são um reflexo distorcido do que se passa na realidade concreta. E é assim porque as eleições são o meio pelo qual, de tempos em tempos, a democracia dos ricos define quem vai governar o sistema. Pensar que a vontade do povo será expressa nas urnas através do voto é uma ilusão na qual muitos trabalhadores acreditam e que muitas organizações políticas, até mesmo de esquerda, alimentam.
A segunda consideração é de que para compreender a fundo os processos políticos como um todo, incluindo as eleições, não basta olhar as forças que acreditamos serem de esquerda ou de direita. Essa distinção afasta-nos do mais importante, que é perceber a serviço de quem, de que grupo, de que setor está cada partido político. Naturalmente, numa sociedade dividida em classes, interessa-nos saber ao serviço de que classe social está a política de determinado partido.
A terceira é de que temos de considerar que não é possível traçar um sinal de igual entre as eleições presidenciais e as legislativas, pois têm significados políticos distintos. Levam até a comportamentos diferentes. Por exemplo, o facto de Marcelo (PSD) ter ganhado as eleições presidenciais não significou um fortalecimento do seu partido nas sondagens para as legislativas.
Dito isto, queremos sistematizar algumas conclusões gerais que extraímos destas presidenciais
1) O Governo sai fortalecido com estas eleições. A votação de Marcelo Rebelo de Sousa com 60,7% dos votos, ficando entre os presidentes com melhor resultado na reeleição, e as sondagens para as Legislativas, que colocam o PS próximo de 40%, demonstram uma opção pela manutenção da aliança entre o Presidente e o Primeiro-Ministro.
A situação política do país está atravessada pela pandemia e a crise social. Neste momento, Portugal é o país com mais casos diários de COVID-19 por número de habitantes, o SNS já está em rutura e o número de mortos aumenta a cada dia. Chegamos a este ponto porque, desde o início da pandemia, o Governo Costa tem primado por optar por garantir o lucro das grandes empresas em detrimento da saúde de todos, dos direitos e rendimentos dos trabalhadores e dos pequenos empresários. E fê-lo em parceria estreita com o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa.
2) A vitória de Marcelo demonstra uma unidade da burguesia ao redor do Governo, principalmente perante a saída para a pandemia e a crise social. A manutenção do favorecimento dos lucros das grandes empresas, do salvamento da banca e da subserviência aos desmandos da União Europeia são cruciais para a burguesia portuguesa. Inclusivamente porque, para resolver a crise económica, serão necessárias novas e mais medidas de austeridade. Ainda que o Governo e a Presidência saiam das Eleições Presidenciais com mais autoridade, não está garantida uma estabilidade duradoura, num momento em que se avizinham dificuldades e instabilidades.
3) Há uma reconfiguração da direita que se aprofundará nas próximas Eleições Legislativas. Após a entrada do Chega e da Iniciativa Liberal no Parlamento, em 2019, abre-se um espaço de crescimento destas forças, confirmado no resultado das eleições presidenciais: 11,89% para André Ventura (Chega!) e 3,20% para Tiago Mayan (Iniciativa Liberal). Provavelmente, este fenómeno explica-se pela dificuldade que PSD e CDS tiveram em fazer oposição à Geringonça e ao atual governo de Costa.
4) Com a entrada do Chega! no Parlamento e os resultados destas presidenciais, o fenómeno de crescimento da extrema-direita no mundo confirma-se em Portugal. Este processo aumenta a possibilidade da existência de um governo sustentado pelo Chega! e também pode levar a um crescimento das forças fascistas no país. Sobre este processo desenvolveremos uma análise noutro artigo.
5) O Bloco de Esquerda perde força com a votação de apenas 3,93% de Marisa Matias, principalmente se comparamos com os 10,12% que a candidata alcançou em 2016. Em nossa opinião, este resultado deve-se à dificuldade que o Bloco tem de mostrar oposição ao Governo. De facto, para os eleitores foi difícil perceber a diferença entre as propostas de Marisa Matias e de Ana Gomes. A candidatura desta serviu bem para evitar que o eleitorado do PS descontente com o apoio de Costa a Marcelo guinasse à esquerda.
6) A crise do PCP mantém-se. Ainda que tenha ficado à frente do BE, em números absolutos, os 180.473 votos que João Ferreira teve é o pior resultado de sempre do PCP em presidenciais, perdendo até concelhos no Alentejo para André Ventura. A recorrente queda do PCP merece maior estudo e análise, no entanto, acreditamos que a mesma se deve também à aproximação do partido ao PS, sento sustentáculo do Governo com ou sem Geringonça.
7) E, por isso, o balanço da Geringonça é crucial. Os anos de Governo do PS, sustentado por BE e PCP, não garantiu o virar da página da austeridade e aprofundou a entrega das nossas riquezas e o projeto de país do turismo. Com a pandemia e a crise social, BE e PCP muitas vezes aderiram à pressão da unidade nacional, sendo coniventes com a política do Governo, mesmoapós o fim da Geringonça formal. Isso deu-se com a ajuda do PCP na aprovação do Orçamento do Estado e com a ajuda do BE nas repetidas votações do Estado de Emergência. Levando não só à ausência de um discurso de combate ao Governo e a Marcelo, mas também a que uma parte da sua base eleitoral, em Eleições Presidenciais e num clima de unidade, tenha ido votar em Marcelo. Para garantir a unidade com o PS, BE e PCP falharam em apresentar alternativas para a classe trabalhadora e para a classe média, trabalhando muitas vezes contra os processos de mobilização, como vimos nas greves dos enfermeiros, motoristas de matérias perigosas, estivadores, Autoeuropa, professores e aeroporto, ou nas mobilizações contra o racismo que ocorreram em 2020, colocando um travão no movimento mesmo após acontecer a maior manifestação antirracista.
8) A instabilidade política poderá acontecer no Parlamento, mas também nas ruas. Ainda que Costa saia fortalecido das presidenciais, não significa que tem garantida a estabilidade necessária para as turbulências que virão no próximo período. A hipótese de uma crise política no Parlamento mantém-se, uma vez que o PS não tem garantida a maioria absoluta e tampouco novas Eleições Legislativas a poderiam garantir. No entanto, é a resposta da classe trabalhadora nas ruas e nos locais de trabalho que determinará se o Governo terá ou não forças para aprovar as medidas que precisa para garantir a manutenção dos lucros dos ricos. Será necessária uma resposta à altura com fortes mobilizações de massas para reverter os rumos do país. Só assim poderemos inclusivamente disputar as camadas médias descontentes.
9) Há uma crise de regime que se aprofunda. Esta crise é demonstrada pela quebra do bipartidarismo e pelo crescimento progressivo da abstenção. O bipartidarismo foi um elemento fundamental de estabilidade política do país. O seu desgaste expressa-se não só pelo crescimento de novos partidos (IL, CHEGA!), mas também pelo apoio de Costa a Marcelo. Quando o PS se abstém de apresentar uma alternativa ao PSD, acaba por limitar as hipóteses de alternativa nos partidos tradicionais.
10) Nestas eleições nenhum candidato apresentou uma alternativa para os trabalhadores e para os setores médios. E foi por isso que defendemos o voto nulo. André Ventura disputa este espaço a partir de um discurso de oposição ao Governo e com propostas populista de extrema direita. Porém, o conteúdo do seu programa é contra a classe trabalhadora e o povo pobre, contra os serviços públicos, ao serviço dos favorecidos de costume. À esquerda, nenhum candidato apresentou um projeto verdadeiramente alternativo ao do Governo, ao lado dos mais pobres. É por isso que a política do voto útil ou da unidade da esquerda como alternativa ao crescimento da extrema-direita é ineficaz, porque vai contra a tarefa fundamental de apresentar uma alternativa frente ao Governo e à extrema-direita.
11) É fundamental a construção de um projeto alternativo que faça forte oposição ao Governo. É preciso apresentar uma saída para a pandemia e para a crise social. É preciso defender a proibição dos despedimentos, a manutenção e devolução dos rendimentos, o investimento nos serviços públicos, a quebra de patente das vacinas. É preciso construir a mobilização independente dos trabalhadores e do povo pobre. É preciso, a partir de um programa da classe trabalhadora, apresentar uma alternativa para os pequenos proprietários, que são empurrados cada vez mais para a pobreza devido à política de Costa de favorecimento das grandes empresas, e defender, por exemplo, a isenção parte dos impostos para os pequenos empresários. Sem este projeto não poderemos fazer frente ao crescimento da extrema-direita e tampouco aos ataques que virão no próximo período pelas mãos de Marcelo e Costa.
12) A saída estratégica para as mazelas da nossa sociedade só pode ser realizada por uma alternativa revolucionária. Os limites da democracia dos ricos e do capitalismo estão ainda mais visíveis devido à pandemia e à nova crise económica. Só com a construção de uma nova sociedade é que poderemos acabar com a opressão e a exploração.
Da Redação