A NOSSA CLASSE AVIAÇÃO Nacional

TAP: Lucros privados e prejuízos nas costas dos trabalhadores

A ampla unidade nacional que Costa tem pedido nos últimos dias como necessária para as medidas de combate à epidemia estão já a ser implementadas no processo de restruturação da TAP. Fica assim cada vez mais claro que a tão desejada unidade nacional de Costa vai muito mais além de questões de saúde publica.

Quando, no final de 2014, Passos Coelho levou ao Parlamento a intenção de privatizar a TAP, com o argumento de que era a privatização ou os despedimentos, foi recebido com duras críticas pelas restante bancadas parlamentares. Ainda mal a sessão parlamentar tinha acabado e já uma intitulada plataforma sindical da TAP avançava com a marcação de greve e de plenários de trabalhadores para se opor à privatização da empresa e aos despedimentos que essa privatização não dava nenhuma garantia de conseguir evitar.

Cinco anos volvidos é desta vez a então oposição de esquerda a Passos Coelho que vem agora aplicar um brutal ataque aos rendimentos dos trabalhadores da TAP, em particular, e por extensão a todos os trabalhadores do setor da aviação.

As dificuldades económicas do setor da aviação são uma realidade com diversas causas, desde a incompetência da gestão privada à crise económica provocada diretamente pela COVID19.

O negócio da privatização da TAP, é hoje claro, seguia a velha máxima de que os lucros serão privados e os prejuízos públicos. Neste cenário, a gestão privada cedo percebeu que sob a almofada dos diversos governos, o risco de penalização por má gestão era inexistente, pois o Governo sempre lá estaria para garantir divídas e/ou financiar a empresa nos dias de crise.

A pandemia e a situação na aviação

É um facto que a crise da economia capitalista sofreu um agravamento repentino em 2020 devido à pandemia do novo coronavírus e, naturalmente, o setor da aviação será dos mais atingidos. O último dado do boletim estatístico da Autoridade Nacional da Aviação Civil refere que 23 companhias que habitualmente utilizavam o Aeroporto de Lisboa não realizaram em 2020 qualquer voo a partir deste aeroporto. Associado a este dado, estima uma redução de 72% no número de passageiros.

Mas a pandemia, nunca é demais lembrar, é um fator amplificador, mas não a causa mais profunda desta crise. A interação entre a crise económica e a crise da saúde tem servido a muitos economistas para confundir a realidade entre o que é devido à interrupção forçada da atividade económica e o que é devido ao funcionamento do capitalismo em crise.  Numa sociedade em que a apropriação da riqueza fosse coletiva e não individual não haveria nenhuma razão para que fossem os trabalhadores a perder o emprego e/ou ter que reduzir os seus salários para assim colmatar os prejuízos do capital.

Restruturação contra os trabalhadores

Mas sejamos claros: a possibilidade de os trabalhadores da TAP serem chamados a pagar a crise financeira da companhia, especialmente a partir do momento que o Governo tornou pública a necessidade de uma restruturação da empresa, deixou de ser uma possibilidade para passar a uma certeza. De facto, é isso que significa restruturação, como qualquer trabalhador intuitivamente sabe.

O verdadeiro objetivo da restruturação anunciada no início de dezembro ficou agora claro. Em primeiro lugar, o Governo esperou, muito oportunamente, pelo fim da campanha das presidenciais para evitar que os candidatos tivessem que se pronunciar sobre essas coisas sempre desagradáveis em campanha eleitoral como corte de salários e despedimentos. Ficámos, assim, sem saber o que pensam os candidatos, especialmente os do PCP e do BE, sobre o “acordo de emergência e temporário” proposto pela administração da TAP, que visa “(…) permitir que a TAP ajuste a sua atividade e os custos com esses trabalhadores (…) “. Em segundo lugar, devido à atual evolução da pandemia no país, este parece ser o momento ideal para o velho argumento de que não há alternativa. Quando os trabalhadores estão em risco de perder a vida, reduzir o salário e perder direitos pode até parecer algo sem importância.

Um brutal ataque ao salário dos trabalhadores é o que pretende este acordo de emergência: alargamento de horários e duração do trabalho, menos férias, remuneração de trabalho suplementar e redução de 25% no salário base, são apenas algumas das dezenas de cláusulas que este acordo suspende e/ou elimina. Consciente do que este acordo implica para as condições de trabalho e de vida dos trabalhadores, a sua cláusula final recorda aos sindicatos que o assinarem que ficam por isso obrigados ao que classifica de “paz social”. O mesmo é dizer que obriga as estruturas sindicais representativas dos trabalhadores – de acordo com ponto 1 do Artigo 542º do Código do Trabalho – a limitar o direito a greve durante a vigência do acordo, que se propõe que seja de 4 anos.

Unidade nacional para que os trabalhadores paguem a conta

O verdadeiro propósito da unidade nacional que o Governo PS pede não é combater a pandemia, mas sim pôr os trabalhadores a pagarem os custos da crise económica. Esta unidade nacional é a unidade do capital contra o trabalho e deve ser recusada pelos trabalhadores, pois é a unidade dos lucros para o capital e do desemprego e miséria para os trabalhadores. A unidade nacional procura colocar na cabeça dos trabalhadores que os sacrifícios são impostos para o bem de todos: “para manter o maior número possível de postos de trabalho”, como diz a proposta de acordo. Não são. A mesma administração que agora quer cortar salários não teve qualquer problema financeiro em duplicar o salário de alguns elementos da Administração.

O manto de silêncio que tem rodeado a divulgação desta proposta de acordo, e que não se verificou na privatização de 2014, indicia o pior. Aqueles que então marcavam greves e defendiam uma TAP pública e sem despedimentos e cortes salariais estarão hoje em ampla unidade nacional para o “bem de todos”? Aos trabalhadores só lhes resta responder aos pedidos de unidade nacional com a unidade dos trabalhadores na recusa deste acordo.

José Luís Monteiro