Depois de ter dito que a Groundforce não era um serviço essencial, o Governo – através da TAP – acabou por se chegar à frente para garantir que os salários do mês de março dos trabalhadores da empresa eram pagos.
A primeira questão central é que o pagamento dos salários é uma vitória da mobilização dos trabalhadores que, dia após dia, não arredaram pé, configurando as maiores mobilizações do setor em muitos anos.
A segunda questão, no entanto, é que a solução encontrada não resolve a situação dos trabalhadores e da empresa.
Uma solução que só adia a resolução do problema
A TAP aceitou injetar dinheiro na empresa, através da compra dos seus equipamentos (tratores, autocarros, push-back [que serve para rebocar o avião quando sai do stand], empilhadores, etc.) de forma a ter alguma garantia do dinheiro que ia investir. O acionista privado tem 60 dias para recomprar estes equipamentos de volta. A questão é, se o acionista privado disse que o problema que originou o não pagamento de salários foi a quebra na circulação aérea, produto da pandemia, e essa situação não se vai regularizar totalmente nos próximos meses, o mais provável é, daqui a pouco tempo, os trabalhadores da Groundforce estarem em igual situação. Então nem é garantido que Casimiro pague de volta os equipamentos, nem que pague os salários nos próximos tempos, pois pelos vistos só acha que deve pagar quando há lucros milionários como nos últimos anos; nos tempos de crise, fica com o que ganhou e pede ao Estado que se responsabilize e aos trabalhadores que paguem a conta. Vale a pena então perguntar como chegámos aqui.
Por Passos tenebrosos chegamos a Costa
Muito se tem falado e, corretamente, apontado o dedo à gestão privada dos 50,1% de Alfredo Casimiro. Mas como foram ter estas ações às mãos do Grupo Urbanos?
O fim do Governo Passos-Coelho foi marcado pela onda de privatizações de empresas de interesse nacional a grupos privados a preços ridiculamente baixos. Lembramos a privatização dos CTT, bem como o processo de privatização da TAP, sendo o elo comum entre as duas, as consequências para o erário público das gestões privadas, que, ao contrário da fábula capitalista, não só não tornaram as empresas mais “competitivas”, como destruíram os postos de emprego e direitos dos trabalhadores, e, em última instância, tornaram-se parasitas do investimento estatal.
O caso da Grounforce não foi diferente, depois de arrancada da TAP em 2003, a Groundforce foi oferecida aos atuais acionistas, que não só não investiram na modernização da frota de máquinas e veículos especializados para a operação, como também cativaram os lucros resultantes do boom do turismo, numa empresa onde mais de 1000 trabalhadores foram despedidos no último ano, fruto da precariedade dos contratos a termo e do trabalho temporário.
Não temos dúvida da criminosa gestão privada da Groundforce. Porém, os sucessivos governos são ainda mais responsáveis. PSD-CDS, por entregarem ativos ao preço de banana, e Geringonça. PS por manter a GF numa situação de falsa prestadora de serviços, não fossem os salários dos trabalhadores da empresa pagos pela TAP Serviços, e não fosse a TAP correspondente a 70% da operação da GF.
Se é a TAP quem verdadeiramente injeta sangue e vida à Groundforce, por que razão os trabalhadores continuam sem o seu salário? A resposta está na natureza do sistema capitalista. Em situações de crise como esta prevalecem as políticas históricas da União Europeia para Portugal, de emagrecimento do setor público a todo o custo, agravadas pelo efeito nefasto da pandemia no setor do turismo; aviões em terra têm significado, pela Europa fora, despedimentos em massa, bem como ataques sem precedentes aos direitos dos trabalhadores do setor aéreo. O exemplo da Alitalia é importante para percebermos que mesmo a nacionalização da TAP foi feita com despedimentos e cancelamento de direitos, para que se volte a entregar a empresa a privados cuja gestão será apadrinhada pelos fundos públicos.
Assim é fácil ser-se Casimiro, ou Neelman: gestão privada e lucro privado, encargos públicos e ataques aos trabalhadores.
O Governo Costa está completamente ao serviço da política europeia, que nos ilude com bazucas para salvar os interesses privados, e somente com esmolas para os trabalhadores.
Nacionalizar uma empresa estratégica, garantindo salários e postos de trabalho
Como sempre dissemos, a Groundforce é um serviço essencial que assegura o tratamento das bagagens, carga e correio, bem como o encaminhamento dos passageiros para dentro e fora do território. Tem sido pela mão dos trabalhadores da Groundforce, maior empresa do sector do Handling, que têm chegado boa parte das vacinas contra o Covid ao nosso país, além de que no período do crescimento do turismo foram os trabalhadores desta empresa que acolheram mais de 60% dos turistas em Portugal. Além disso, 70% do serviço da Groundforce é a assistência à TAP. Se a TAP é estratégica e não pode voar sem a Groundforce, porque não nacionalizar então a Groundforce?
Como dissemos desde o início, empréstimos, injeção de capital ou o atual acordo de compra de equipamentos (que é, na verdade, uma versão de empréstimo) não são solução, porque não garantem a viabilidade da empresa, nem os salários e postos de trabalho.
Por isso, defendemos desde o início a nacionalização da Groundforce. Mas como se viu no caso da TAP, não basta nacionalizar, pois as nacionalizações do governo Costa são para os interesses privados e com as regras austeritárias da UE. É preciso nacionalizar, mas sob controlo dos tralhadores, para garantir um serviço público aéreo de qualidade e garantir salários sem cortes e postos de trabalho.
Nesse sentido, As declarações de Miguel Frasquilho, pela TAP, no Parlamento, dizendo que a restruturação da TAP implica cortes de custos na Groundforce, mostra bem o que está por vir: com acionista privado ou público, os cortes dos custos da TAP terão uma fatura para os trablahadores da Groundforce.
Na GF e no país, só a luta traz mudança
Depois desta primeira vitória que é a perspetiva de pagamento dos salários nos próximos dias, é importante não parar a luta que permitiu essa conquista. Esta saída não é uma solução; só a sua mobilização poderá impôr uma alternativa que sirva os trabalhadores.
É por isso que já passando o marco da dezena de mobilizações, instamos os trabalhadores a fazerem da luta uma forma de democracia onde possam discutir em plenário propostas concretas rumo a uma nacionalização plena sem despedimentos nem perda de direitos.
Ao contrário do que aconteceu na TAP, é fundamental exigir dos sindicatos e comissão de trabalhadores que se continue a mobilizar e que não aceitem saídas que impliquem sacríficos dos trabalhadores.
Quanto às forças parlamentares como o BE e o PCP, é preciso exigir dessas direções que, mais do que palavras de solidariedade, atuem através dos seus dirigentes sindicais e ativistas para continuar a mobilização. Não vale a pena dizer, no Parlamento, que se defende a nacionalização e depois, nos sindicatos, fechar os acordos com os patrões, pelo empréstimo.
Aos trabalhadores, esta dezena de manifestações demonstra que não há parlamento ou comissões de esclarecimento que lhes ponham pão na mesa; como sempre, terão de ser eles a fazê-lo. Os trabalhadores da Groundforce mostraram o caminho. É preciso que continuem e não baixem os braços perante uma falsa solução. A unidade com os trabalhadores da TAP no futuro será fundamental para garantir emprego e direitos e um serviço áereo público e de qualidade.
Groundforce é Tap!
Nacionalização Já!
Nenhum corte de salário, nenhum despedimento!
Só a mobilização e o contrle dos trabalhadores pode garantir direitos e um serviço aéreo e de handling públicos e de qualidade!
Da Redação
Texto originalmente publicado no Em Luta N.º 27 (março 2020)