Nacional

Voto-protesto derrota PS em Lisboa em eleições sem vitórias incondicionais

O inesperado resultado do Partido Social-Democrata (PSD) em Lisboa deu o tom das eleições autárquicas deste ano. Foi uma derrota pesada para o delfim de Antonio Costa, Fernando Medina, cuja carreira política fica desde já comprometida, e fornece fôlego ao PSD e ao seu líder, Rui Rio, visto até aqui como uma carta fora do baralho.

Foram eleições autárquicas com ressonâncias mais nacionais do que o habitual devido à crise pandêmica que ainda estamos a atravessar e à crise econômica e social que gerou. Apesar do sucesso português na vacinação e das promessas de investimento com as verbas do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência), a conta do desemprego, da precariedade e da pobreza, agravada pela pandemia, acabou por ser cobrada, em grande parte, aos candidatos do Partido Socialista (PS), o partido que dirige o país.

Como o PS também paga a conta por construir uma cidade dos ricos, que expulsa os mais pobres para a periferia, a opção da elite por um representante ainda mais liberal, cujo objetivo é aprofundar este projeto, acabou por pesar.

Nacionalmente, o PS continua a ser o partido mais votado, com 34,25% dos votos, além de ter retomado municípios como Loures, após vinte anos de afastamento, mas perdeu 66 vereadores e presidências de câmara em cidades importantes como Coimbra, além de Lisboa, onde governava desde 2007. No Porto, apresentou o seu pior resultado de sempre. Além disso, obteve menos 245 mil votos no total nacional e permitiu ao PSD estreitar a diferença em número de câmaras, passando de uma vantagem de 63 para apenas 38.

Do sucessor de Fernando Medina não se pode esperar nada de bom: Carlos Moedas foi o “ministro da troika” durante os três anos que integrou o governo de Passos Coelho, responsável por acompanhar o programa de assistência económica e financeira, isto é, o programa que encolheu direitos e salários dos trabalhadores. Moedas foi a alternativa possível para tirar Medina do páreo, ao mesmo tempo que, à esquerda, o Partido Comunista (PCP) e o Bloco de Esquerda (BE) vêm compondo com o PS, tanto na Geringonça quanto na própria câmara de Lisboa.

Trambolhão da esquerda

Nesta eleição, o PCP deu continuidade à sua debacle autárquica. Em 2017, perdeu dez câmaras,  mas conseguiu eleger 171 vereadores e obter 9,46% dos votos nacionais. No domingo passado, esses números reduziram-se para, respectivamente, 146 e 8,18%. O partido dirigido por Jerônimo de Sousa não registou derrotas em lugares quaisquer, mas em regiões operárias e populares, muitas delas com forte peso comunista. O PCP perdeu Loures, onde o PS venceu, a abstenção cresceu 4 pontos percentuais e o Chega registou preocupantes 8,42% dos votos; teve votação reduzida de 12,22% para 9,93% na Amadora; caiu de 49,95% para 34,40% no município de Setúbal; caiu de 33,28% para 23,43% no Barreiro; perdeu a presidência da Câmara na Moita para o PS, passando de 41,04% dos votos em 2017 para 33,07%; e quase perdeu Évora, também para o PS,  caindo de 40,52% dos votos, para 27,44%.

O resultado do BE, cuja implantação autárquica é muito pequena, também foi ruim, com menos votos e vereadores. De 3,29% dos votos em 2017, passou para 2,75%, perdendo oito dos 12 deputados eleitos naquele ano em municípios como Amadora, Seixal e Moita. Elegeu vereadores em Lisboa, Almada, Salvaterra de Magos e no Porto. 

O fortalecimento do Chega

Mesmo sem ter cumprido a fanfarronada do seu líder de transformar o Chega em terceira força política e ficando bem abaixo dos 11% obtidos nas eleições presidenciais, o resultado do partido de extrema-direita de André Ventura nestas eleições (19 vereadores e 4,16% dos votos), as primeiras autárquicas em que participa, é preocupante. Muitos dos municípios em que conseguiu uma  votação expressiva, como Évora (6,81%), Moita (8,97%), Almada (5,63%) ou Setúbal (5,88%), têm tradição de luta operária e antifascista e parece incompreensível que justamente lá esse partido tenha tido esses resultados.

O que concluir?

Por mais deformados que sejam os resultados eleitorais, em especial nas eleições autárquicas, em geral mais despolitizadas, é claro que refletem alguma coisa. Por mais indiferentes que sejam os portugueses – a abstenção mantém-se em patamares elevados, 46,3%, o segundo maior índice desde 1976 –, o seu voto tem um significado. Não foi à toa que o PS perdeu Lisboa e uma parcela importante dos seus eleitores de 2017, decepcionados com um partido que não respondeu às suas necessidades de moradia, emprego e salário, que desenhou uma Lisboa para os ricos, mantendo-a como exclusividade dos privilegiados.

Não foi à toa, também, que os partidos da esquerda parlamentar não tiveram bons resultados. Nós últimos anos, desde 2015, transformaram-se nos fiadores do projeto PS, seja no país seja na câmara de Lisboa. Ao castigar o PS, os eleitores também não tiveram muita consideração pelos seus coadjuvantes. Num momento de crise como este que atravessamos, ao não existirem alternativas de esquerda sólidas e independentes abre-se o espaço à extrema-direita. É isso que explica em parte o resultado do Chega, principalmente em bairros onde a esquerda sempre teve implantação.

Na nova configuração autárquica é preciso ser oposição, não só do PSD e do conjunto da direita, como também do PS, e apresentar um programa e uma atividade política que tenha como objetivo construir uma alternativa junto aos trabalhadores e do povo pobre, de apoio à sua luta e reivindicações.