A NOSSA CLASSE SETOR AUTOMÓVEL

Um diálogo com os operários da Autoeuropa

A partir destas páginas do jornal Em Luta pretendemos prosseguir o debate que mantemos há vários anos com os operários e ativistas da AutoEuropa. Convidamos, assim, todos os trabalhadores a debaterem connosco a luta contra o retrocesso das nossas condições de vida, mas também a estratégia para a emancipação da classe trabalhadora perante o patronato e governos burgueses e contra as opressões que aqueles nos impõem anos a fio.

Apesar dos passos dados ainda faltam muitos outros…

É por considerarmos que a ‘emancipação dos trabalhadores é obra dos próprios trabalhadores’ que partilhamos, desde há vários anos, as importantes lutas dos cerca de 5 mil operários da AutoEuropa.

Mas também pretendemos debater e partilhar os passos que ainda faltam percorrer, também para construir a alternativa necessária – e por agora inexistente – para o conjunto da classe trabalhadora portuguesa.

Saudamos com entusiasmo e incorporamos na nossa experiência muitos dos passos que a força coletiva da classe operária da AE tem feito possíveis: a crítica – senão mesmo rutura – feita ao “corporativismo de esquerda” de António Chora, que propunha juntar trabalhadores e Administração no abraço da “cultura e gestão da empresa”; a primeira greve na AE (em 26 anos!…) de 30 de agosto de 2017, contra a obstinação da administração de impor trabalho aos fins de semana; a democracia e mobilização dos plenários de dezembro do mesmo ano que aprovaram 2 dias de greve face àquela teimosia; o repúdio generalizado e desprestígio merecido perante a recusa das velhas estruturas sindicais – nomeadamente o SITE-SUL / CGTP e o SIMA da UGT – em apresentarem o necessário pré-aviso de greve, pois preferiam continuar amarrados ao governo da Geringonça-PS… Igualmente saudamos a atitude dos trabalhadores da AE ao elegerem novos ativistas para as estruturas da classe e construírem novas organizações sindicais, combativas e democráticas, que hoje são importantes para as novas lutas, como é o caso do STASA. São passos que saudamos e que os trabalhadores que nos anos mais recentes entraram para a fábrica devem rever.

A união com as administrações dá milhões aos patrões e mais exploração dos trabalhadores

Sabemos que muitos trabalhadores continuam, contudo, a pensar que o caminho correto para garantir os direitos conquistados e uma vida digna é apostar na concertação com a Administração, no “diálogo e partilha de objetivos” com aquela. No fundo é o que muitas forças políticas e sindicais proclamam, dizendo-nos que “estamos todos no mesmo barco”, que devemos travar as nossas reivindicações e lutas, defendendo uma espécie de “governo geringonça” nas fábricas e empresas. Oculta-se, assim, que, por exemplo, durante os 5 anos do governo da Geringonça, e de acordo com o Banco de Portugal, os lucros das empresas portuguesas não financeiras atingiram recordes, passando de 9,7 mil milhões de euros em 2015 para 15,6 mil milhões em 2019, enquanto a situação da classe pouco ou nada se alterou para melhor.

As várias administrações da VW também tentam ocultar que o Grupo, no ano fiscal de 2021, e de acordo com o seu relatório de gestão, gerou receita de vendas de €250 biliões, 12,3% mais que em 2020… No fundo, nada de novo no mar dos lucros escandalosos que o patronato e as várias administrações das empresas de energia, combustíveis, alimentação, etc. têm acumulado nos últimos tempos, enquanto os trabalhadores têm vindo a perder salário e a acumular retrocessos sociais e económicos perante o roubo orquestrado da inflação. Enquanto isso António Costa tenta amolecer a classe distribuindo migalhas…

As negociações e o compasso de espera que numa luta podemos ser obrigados a fazer não nos podem fazer esquecer que são os trabalhadores, e em particular a classe operária, que com o seu trabalho – numa empresa ou país ou nas cadeias das multinacionais – fazem funcionar as fábricas e gerar nova riqueza e novos lucros, com os quais os capitalistas decidirão nos gabinetes o que fazer!

Unir toda a classe pelos direitos e salário!

São inúmeros os laços que nos unificam, muito mais dos que os que nos separam: a concentração operária na fábrica da AE é apenas uma parte da cadeia produtiva operária dividida por várias fábricas em Portugal e na Europa; o conjunto da nossa classe – seja a que trabalha no Parque Industrial, seja pelo país fora- é igualmente bombardeada com patranhas e roubo salarial pelo governo PS; a inflação que há meses desvaloriza o nosso salário e que, por estes dias, nos obriga à luta também impulsiona à mobilização a classe trabalhadora no resto do país, e mesmo pela Europa fora, nomeadamente na Alemanha, Espanha, Inglaterra, França etc.; são os governos portugueses que, se por um lado têm dispensado à AE-VW “incentivos” e “apoios públicos”, tudo fazem para manter os salários portugueses, inclusive os da AE, os mais baixos da Europa, mantendo Portugal como um país subserviente e de mão de obra barata e de turismo. Finalmente, uma melhoria generalizada dos direitos e salários da classe trabalhadora portuguesa – concretamente neste momento superior à inflação!… – só pode beneficiar a classe operária da AE!

Precisamos, pois, de construir também a solidariedade da luta e unidade com o conjunto da classe trabalhadora!

Construir um partido revolucionário para a luta contra o capitalismo!

Finalmente, mas não menos importante, pretendemos também debater com os operários da AE a necessidade de construir uma organização política revolucionária, anticapitalista, independente e oposta a esta democracia burguesa que nos governa, e aos seus privilégios e prebendas parlamentares. O Em Luta também está empenhado nessa luta e por isso queremos partilhar os seus passos.

Alguns trabalhadores da AE têm-nos dito que as organizações políticas – mesmo as de esquerda – não ajudam à unidade da classe, que ‘não se deve trazer a política para os sindicatos’. É verdade que os partidos que são mais conhecidos não têm ajudado à unidade e à luta da classe trabalhadora. Recorde-se o que se passou com a revolta na AE de 2017/2018: apesar de os plenários terem então decidido democraticamente a necessidade de avançar para a greve de 2 dias, os dirigentes do SITE-SUL / CGTP e o SINDEL da UGT, na sua maioria afetos ao PCP e PS, recusaram-se a cumprir aquela decisão e preferiram a paz do governo da Geringonça.

Na nossa opinião os ativistas de um partido revolucionário devem lutar para que as organizações dos trabalhadores sejam espaços de liberdade e independência face ao patronato e Governo: cada trabalhador ou grupo de trabalhadores devem ter a liberdade de expressar total e livremente as suas opiniões e propostas, políticas ou não. Depois devem ser as assembleias que decidem e mandatam os dirigentes. Desta maneira – a base a decidir – também se constrói a independência face ao patronato, governos e também a qualquer partido político. Quem manda nas organizações da classe devem ser os trabalhadores, sindicalizados, etc.

Se as organizações de classe estão comprometidas com a luta económica e a negociação para alcançar com a mobilização o máximo de direitos para a classe, um partido revolucionário anticapitalista não só deve estudar e compreender os diversos acontecimentos da sociedade capitalista, partilhá-los e debatê-los com toda a classe, manter a sua autonomia face às organizações sindicais e instituições burguesas (parlamento), como acima de tudo construir a mobilização permanente pelo derrube do capitalismo e a construção de uma sociedade socialista.

Edu Dário